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  • Writer's pictureDenis Canal Mendes

Reflexões sobre o COVID-19 e o período de isolamento

Updated: Jul 16, 2020

A avalanche dos acontecimentos de uma época não é perceptível apenas no lado de fora, isto é, no mundo exterior (...) o terapeuta não pode prescindir de uma discussão com o seu tempo por mais que o alarido político, o embuste da propaganda e o grito desafinado dos demagogos lhe causarem repugnância. O que ressaltamos não são os deveres de cidadão que exigem algo semelhante, mas, essencialmente, os seus deveres como médico que lhe impõem uma obrigação ainda mais elevada, o compromisso COM O HOMEM.[1]


Não tenho medo da morte. Temo pelo que pode morrer quando ainda estamos vivos. Muitos indivíduos sem a consciência já estão em estado de putrefação há muito tempo, mas só agora, com a iminência de uma catástrofe, desejam reaver a sua condição de existência e resgatar a própria vida. A temática da finitude nos impacta. A força arquetípica nos invade, deixando-nos emocionalmente perturbados e com sintomas dos mais variados: pânico, medo, ansiedade e fobias das mais diversas.


Tememos pelo que deixamos de viver, protelamos para um dia no futuro. Será?

A vida sem sentido é uma doença terminal, seguindo seu rumo para o firmamento.

A finitude nos revela a importância do existir, e, nesse sentido, nos incita a pergunta: o que realmente importa?

Viver a si mesmo significa: ser tarefa para si mesmo. Não digas nunca que é um prazer viver a si mesmo (...) Se quiseres criar a ti mesmo, não comeces pelo melhor e mais elevado, mas pelo pior e mais baixo. (...) A confluência dos rios da vida não é alegria, mas dor (...)[2]

Ter consciência de si mesmo é um dom supremo, um tesouro tão precioso quanto a vida. É o que nos faz humanos. Porém, custa um alto preço: a ferida da mortalidade.[3]


O Covid-19 nos convida a confrontar nossa pequenez e nossa finitude, nos reserva a perspectiva do que é importante, qual é o significado maior da nossa existência. Como no filme de Polanski, "O Pianista", de 2003, a dimensão da pequenez do indivíduo frente a tragédia coletiva causada pela devastação da guerra.


A psicologia junguiana contemporânea vem se propondo a refletir sobre temas atuais. Aqui, esboço um lampejo sobre possibilidades metafóricas no pensar o quanto a perspectiva da contaminação pelo COVID-19 e/ou coronavírus está mudando a forma de ver, agir e estar no mundo.


A sombra coletiva, repaginada com a inconsciência coletiva dos indivíduos, faz com que os fatos exteriores causem um abalo tão forte, que as suas concepções de existência desmoronem, deixando-os sujeitos a terríveis castigos psicológicos, promovidos por conteúdos poderosos de desesperança, medo e aniquilação. Infelizmente, a lista dos males não é pequena, e seus efeitos já podem ser percebidos (Fierz, 1997).


O que a contaminação pode indicar? Pan-Demia; Deus Pan em esforços saborosos. Façamos o primeiro convite: A inconsciência coletiva é reflexo da inconsciência da sombra individual? A partir daí surgem algumas metáforas tanto de aniquilação como do medo: o vírus propõe asssepsia, paranoia e lienação. Como no filme dos anos 1990, "Os 12 Macacos", com Bruce Willis, que para além da esquizofrenia paranoide, existe a paranoia de um vírus que aniquila a população mundial e a tentativa de voltar ao passado para ressignificar a história.


Onde está a nossa alma? O que foi perdido em relação a educação, com o senso de comunidade e de afetividade?


O espírito dessa época condenou-nos a precipitação. Não tem mais futuro nem passado, se servires ao espírito dessa época. Precisamos da vida da eternidade. Na profundeza guardamos futuro e passado. O futuro é velho e o passado é jovem. Tu serves ao espírito dessa época e pensas que podes fugir do espírito da profundeza. Mas na profundeza não demora muito e vai forçá-lo para dentro (...) [1918].[4]

Do ponto de vista político-social o endurecimento da ultradireita (lembra-me dos carecas do subúrbio[5] e da banda paulista Virus 27, dos anos 1980, que fomentava em seus shows: morte aos nordestinos!). Lá, já se aplicava o ideário do princípio da higienização, da limpeza, da assepsia, e, por outro lado, a precarização da Saúde. Dar margem para um Estado de Sítio, justificado pelo descontrole social e assim, posteriormente, finalizar com o fechamento do Congresso Nacional, é um Golpe de Estado? Tudo fomentado e preparado a partir da hipótese de pânico e isolamento (do controle social), sitiados em quarentena, na nossa própria prisão domiciliar. Lembremo-nos do livro 1984, do George Orwell, onde uma guerra imaginária desviava o foco, persuadindo o indivíduo.


E, finalmente, do ponto de vista econômico: perdas financeiras, queda da bolsa, aniquilamento do patrimônio individual, pobreza etc. Seria a quarta grande crise do capitalismo vindo via uma doença? A primeira ocorreu em 1929 com a queda da bolsa de valores de Nova Iorque; a segunda, em 1973, com a crise do petróleo; e a terceira, em 2008, com a crise do crédito imobiliário, também chamada de bolha imobiliária.


A sombra é a ganância, é o não reconhecimento do outro. Portanto, é um egocentrismo narcísico, egoísta, mesquinho, que vê valor naquilo que é diferente de si mesmo. Existe uma crueldade nessa sombra, crueldade sádica, não controlada, não redimida. Existe raiva. Todos os componentes da psique que precisam ser controlados numa civilização foram liberados aqui.[6]


O que está por vir? Para nós, o trabalho clínico se dá para prevenção, autonomia e sobrevivência.


Ninguém está errado. Aos olhos do amor, todas as pessoas estão fazendo o melhor que podem segundo seus níveis de consciência. As outras pessoas parecem erradas quando as perspectivas delas não correspondem as suas. Todos os desacordos são resultados da má compreensão do nível de CONSCIÊNCIA de outra pessoa. Deepak Chopra

O que será? De repente nos vemos distantes enquanto indivíduos, porém pedimos a aproximação!? O que a pandemia está mostrando para todos nós? O que perdemos no contato com o outro? Para onde foi a riqueza do contato humano? Tornou-se virtual? Castigo dos Deuses ou de Deus por sermos tão desumanos com nossos pares e com a natureza?


Espero que quando tudo isso acabar, tenhamos aprendido algo novo e redirecionado nossas vidas por outro caminho. Sairemos dessa, com a resposta do que realmente importa e se realmente aprendemos a lição. E fico pensando, será que não aprenderemos e teremos que fazer recuperação?


A tristeza penetra no meu coração. Tenho medo da morte. Gilgamesh

Quer mais felicidade na sua vida? Então faça pelos outros o que faria por você.

[1] C. G. Jung - Aspectos do Drama Contemporâneo. Vol.10/2. Obras Completas [1933] Ed. Vozes, 2010. [2] C. G. Jung - Livro Vermelho. (versão sem ilustração) Ed. Vozes, 2013. [3] Irvin D. Yalon, De Frente para o sol: como superar o terror da morte. RR Agir, 2008. [4] C. G. Jung - Livro Vermelho. Ed. Vozes, 2010. [5] Movimento Neonazista paulista, grupos caracterizados por cabeças raspadas das regiões do ABCD do município de São Paulo. [6] Lucy Dias & Roberto Gambini – Outros 500: Uma conversa sobre a alma brasileira. Senac Ed. 1999.

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