O encontro entre Psicologia/Psiquiatria e Arte/Loucura fez emergir diferentes abordagens, que vão desde a diversidade de linhas terapêuticas e teóricas até algumas aproximações com a arte de vanguarda.
Historicamente, desde a Renascença, vários artistas em diversas partes do mundo tiveram momentos de estados de loucura ou de comportamentos desviantes refletidas em suas obras. As relações da Arte com a Psicologia e a Psiquiatria datam cronologicamente do século 19, quando algumas atividades de natureza artística ou artesanato foram introduzidos em hospitais psiquiátricos e também quando apareceram as primeiras referências teóricas sobre o assunto.
Deste encontro da Psicologia e Psiquiatria entre Arte e Loucura, podemos dizer que emergiram diferentes abordagens, das quais variam desde a diversidade de linhas terapêuticas e teóricas até aproximações com a arte de vanguarda.
Inicialmente, a Psiquiatria utilizava os desenhos produzidos pelos chamados “loucos” no intuito de auxiliar no diagnóstico, na busca pela identificação das doenças mentais através do estudo dos vários estilos artísticos.
Os psiquiatras Max Simon, Regis, Morselli, Lombroso, Dantas, Mohr e Meige demonstraram um esforço para enquadrar cientificamente as produções figurativas dos doentes mentais. Nesse primeiro momento, a produção artística do paciente internado é vista apenas como um possível revelador de sua condição psicopatológica, um caminho que leva apenas ao sintoma vivenciado pela pessoa.
Os trabalhos realizados pelos médicos Réja, Delacroix, Morgenthaler, Prinzhorn e Kretschemer buscavam entender os estados mórbidos por intermédio da vida e da obra de grandes artistas que foram acometidos por algum distúrbio psiquiátrico (FERRAZ, 1998). Dá-se nesse momento uma espécie de abertura para além dos muros do manicômio, porém os trabalhos produzidos pelos doentes mentais ainda não eram considerados como formas artísticas e estéticas, já que não existia uma intenção consciente na elaboração artística e esta era feita com técnicas pouco desenvolvidas.
Entretanto, com a contribuição da psicologia dinâmica e da abertura da psiquiatria com um olhar mais humanista, esse retrato foi se modificando, saindo de uma psicopatologização para algo maior e com um olhar mais para o ser, porém ainda de forma embrionária. Em especial, o psiquiatra Hanz Prinzhorn (1922), que procurava discutir os processos de criação artística, analisando os mecanismos de elaboração que se evidenciavam nas produções dos pacientes psiquiátricos, empregando um "método de investigação psicológica derivado da fenomenologia, da Gestalt e da teoria estética da empatia" (FERRAZ, 1998) para explicar como emerge o impulso criador. Ele analisou e classificou as obras a partir da presença de sinais figurativos, de simples rabiscos às simbolicamente complexas. Na visão dele, cada pessoa contém em si um ímpeto criador, escondido sob o processo civilizatório; um impulso criador capaz de encontrar sua própria expressão (FUCHS, 2007).
“Ao considerar o desviante um “pobre coitado”, perco o trem da mudança, porque certamente atuarei de modo paternalista e, portanto, autoritário. O indivíduo desviante, através do seu sofrimento e de sua maneira única de expressá-lo, está fazendo um apelo por ajuda, mesmo que da forma mais insólita possível. Se respondo a esta comunicação de um jeito padronizado, com fórmulas inflexíveis, desconsiderando a originalidade do outro, desperdiço a chance de descobri-lo, conhecer a sua loucura, a minha loucura, a loucura social.” (JAQUES DELGADO,1991)
Um olhar metafórico para a Arte
Os códigos visuais dessas criações artísticas só passaram a ser percebidos e estudados inicialmente por Freud, o grupo de Viena, através de seus escritos, que incentivou uma corrente de artistas: os surrealistas, a abandonarem a razão e pintarem essas mensagens advindas do inconsciente. Porém, foi através de Jung, que despertou também em outros psiquiatras a perspectiva desse olhar simbólico, o interesse pela pesquisa e o entendimento mais profundo das pinturas, esculturas e outras manifestações artísticas de pacientes graves, para além da sintomatologia, ampliando a busca do seu entendimento e efeito curativo.
Os resultados foram o uso da arte para além do diagnóstico, mas ainda na perspectiva e no olhar do tratamento em saúde mental, como também de um olhar minucioso para o surgimento de muitos talentosos artistas no meio psiquiátrico e até na criação de alguns museus especializados em arte e loucura. Hoje, ao mesmo tempo que se estuda o fazer artístico como forma de expressão, como uma função terapêutica e curativa, é na Psicologia Junguiana, através do olhar metafórico para a Arte, que se tem a preocupação em resgatar, analisar e ampliar as características desse universo psíquico, buscando o entendimento das obras dos pacientes e propondo uma forma humanizada de lidar.
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